Noite de caçada na Noruega
É difícil se conter perante tanta euforia. Lá fora está frio e ventando, mas não é para menos: estamos no Ártico, mais precisamente em Tromso, na Noruega. É inverno, dezembro, e estamos em um grupo de 21 viajantes, contando comigo e com o Marco Brotto, nosso expert. São 21 caçadores de Aurora Boreal!
Há turistas viajando pela primeira vez sozinhos para o exterior. Também tem uma vovó jovem com seu neto de 18 anos. Um grupo de amigos paulistas também nos faz companhia. Ou seja: são casais, jovens e pessoas na terceira idade que compõem um grupo de viajantes novos e experientes. Este grupo não poderia estar melhor!
Olhando e observando as atitudes que se repetem, fica fácil identificar o ponto em comum entre os caçadores de primeira viagem: curiosidade, pressa. Alguns já estão no saguão do hotel uma hora antes da nossa saída, vestidos como esquimós, mesmo dentro do hotel e com temperatura ambiente de 20 graus. A gente volta a ser criança, eu sei.
Como tour leader, é minha função garantir que tudo corra da forma mais segura para nossa caçada.
Tudo já foi minuciosamente planejado por nosso time no Brasil, supervisionado pelo Marco e por mim. Por isso, eu entro em contato com o motorista profissional da companhia de ônibus que vai nos transportar hoje. Está tudo certo!
Eu e ele já nos tornamos amigos e ele está acostumado com os brasileiros. Na hora de sair, vamos em um Volvo novinho em folha, com bancos de couro e temperatura ambiente positiva. Grande bônus, hein?!
Vou para o quarto checar o Marco e os últimos preparativos, como de costume. Ele está concentrado na frente do seu laptop e grudado em dois telefones. É porque ele está seguindo uma atividade solar há dois dias para encontrar o melhor momento para a caçada. Ele me diz, então, que é hoje. “Wow!”, eu grito na minha mente. “Logo no primeiro dia?!”.
As luzes de Tromso são uma coisa espetacular, um show à parte. Está escuro desde as três da manhã. O frio? Nem deu tempo de sentir! Saímos do hotel para o ônibus bem agasalhados. Fico orgulhoso quando vejo que o pessoal leu todo o material que enviamos por PDFs, explicando como se vestir para o frio. Também conversamos muito pelo grupo de Whatsapp que abrimos para todos nossos turistas um mês antes de cada viagem. Dúvidas sanadas e todos quentinhos e grudados na janela do ônibus? Estamos a caminho!
Marco olha fixamente para seu celular para encontrar um espaço limpo no céu, que está nublado. Ele analisa o vento e diz que precisamos ir pro norte. Qual estrada pegar? Aonde parar? É seguro? Quanto tempo falta para chegarmos e olhar a Aurora? Todas essas dúvidas surgem porque, na Noruega, o tempo que um motorista profissional pode dirigir é controlado; ele não pode se cansar.
Marco está gerenciando todas estas variáveis e muito mais na sua cabeça. Ele está preocupado, eu não! São mais de 70 viagens com sucesso total, levando pessoas de todo o Brasil e de todas as idades para ver a Aurora Boreal. Tenho plena confiança!
Eu sei também que andaremos o quanto for preciso se o Marco acreditar que há chances de vermos a Dama do Norte ainda hoje. Após uma hora de estrada, a neve para. O céu começa a mostrar um pouco do seu manto estrelado. Bom sinal! No ônibus rola uma conversação geral: todos se conhecendo.
O ônibus para, o Marco desce e eu já sei que ainda não é a nossa hora. Está frio e nublado. Marco vai na frente para conferir a direção do vento, compara com as previsões, faz sua mágica, tira uma foto do céu e me sinaliza. Não é o momento ainda. Continuamos na estrada.
A carinha dos nossos tripulantes não é estranha para mim e nem suas perguntas. Calma, o Marco sabe o que faz, temos tempo e vamos procurar maximizar nossas chances de uma experiência fantástica com a Aurora. Eu digo tempo “legal” falando de estar dentro da lei, mesmo, aquela que controla o tempo que o motorista qualificado e devidamente treinado e licenciado pode dirigir hoje. Transportar passageiros de forma comercial no estrangeiro não é para aventureiros, é para profissionais.
O Marco manda parar o ônibus na primeira parada segura e legal possível. Ele olha para os caçadores e pede para que todos se preparem. Parece saída de túnel de futebol em jogo de decisão; não pelo aglomerado, mas pela excitação.
Eu explico que o Caçador vai na frente e vai nos chamar em caso de… “DEEESSSSCEEEE! OLHA LÁ! OLHA LÁ!” Descemos todos, ainda meio nervosos e sem saber para onde olhar. Até que alguém aponta e diz que está vendo a Aurora. Uma Aurora tímida está começando no céu. Todos ficam maravilhados. Nossa! Que lindo! Mil perguntas, gritos… Que alegria!
A minha atenção está no trânsito, na neve e em suas armadilhas escondidas no asfalto, liso como ele só. Vejo se estão todos aqui:, um, dois, três, quatro… “Fecha esse casaco, rapaz”, “Coloca esta touca, senhora” (ainda não estou íntima). Não podemos perder o calor corporal. Peço para que se lembrem do PDF, da conversa no briefing e de todas as explicações de como tudo funciona. Pareço um pai.
O Marco aproveita e mostra a todos as constelações que estão visíveis. Explica com autoridade o porquê de a Aurora estar ainda tímida. Fala sobre o BZ, o KP, campo magnético, explosão solar, o magnetismo do campo. É tudo com a mesma naturalidade de um professor de química explicando a tabela periódica pela primeira vez. Mas também é de uma forma meio louca. Tudo faz sentido: se não agora, no primeiro dia, certamente fará no decorrer da aventura.
Marco tira fotos de todos; individualmente e em grupo. A câmera vê o que nós não vemos e ele sabe disso. A olho nu? O buraco é mas embaixo. Controlar o grupo para tirar uma foto não será fácil com uma Aurora explodindo e dançando sobre nossas cabeças, então, tiramos as fotos, conversamos e aprendemos todos. Sim, eu também!
Alguém me pega pelo braço e pergunta se a Aurora é assim mesmo, se ela vai ficar mais forte. Digo que sim, que vemos cores de maneiras diferentes. Onde alguns veem rosa, outros veem vermelho.
No céu agora vemos agulhas verdes à direita e manchas verde e rosa. Alguns já estão ficando roucos de tanto gritar e até falam palavrões – o êxtase faz isso.
“Meu Deus, que lindo! Olha!”. Chora um, chora outro! Que lindo! Olha lá! Chora um, chora outro… a emoção está à flor da pele e o Marco parece a uma criança menor. É muito emocionante o prazer de proporcionar isso para nossos caçadores. É motivação de vida para o Marco.
A Dama da Noite está generosa e dança um tango digno de profissional argentino. Ela está colorida e no centro tem uma coronal, o detalhe mais esperado. Ela se move a uma velocidade espetacular; muda de lugar, desaparece. Ela é assim, temperamental. Mas está lá.
Marco resolve mudar de lugar. Quer um lugar lindo, diferente. Paramos à beira de um rio cercado de montanhas. Será ótimo para tirarmos fotos.
Ele me chama em um canto e diz: “Cezar, a Aurora está tímida hoje. Como eles já viram um pouco e tiraram fotos, acho melhor preservá-los do frio hoje. Voltamos à caçada amanhã”. Concordei, afinal, como explicar que o que vimos seria uma Aurora com nota 3,4 na escala “Marcal Brottal”? Nem dá para tentar explicar que pode melhorar muito, ainda.
Pode, porque não é mágica. É um fenômeno físico, astrológico, da natureza, que não se controla e também não se prevê com certeza. Podemos, sim, maximizar as chances de vê-la com base na nossa experiência, na ciência e no feeling.
Sabendo disso, conto todos a bordo. Já dei um rosto aos nomes, porque por nome já conhecia a todos há meses, durante a preparação para a viagem com nosso time no Brasil.
Voltando ao hotel, resolvemos parar em um posto de gasolina para experimentarmos um cachorro-quente diferente. Vai ser delicioso, principalmente porque temos a certeza de que amanhã tem mais!
No grupo do Whats, passo todos os horários e atividades para o dia de amanhã. Dog sled! Nossa! Amo aqueles cachorros e o passeio é demais! Mas esse é um assunto para o próximo post.
Voltamos para o hotel. Agora somos todos, oficialmente, caçadores de Aurora Boreal!